Expansão do Setor O, Setembro de 1992
Era uma mês de setembro anormalmente quente. Passou o mês de agosto inteiro sem chuvas e estávamos na segunda semana de setembro, no meio da seca. Tudo parecia coberto de poeira vermelha, quando eu e minha mãe andávamos sobre um céu cheio de grandes nuvens brancas. Ela me arrastava pela rua, pois eu parava a cada segundo para ver um detalhe, apontar uma planta ou uma pessoa e enchê-la de perguntas. Foi quando vimos, longe, nas colinas do Goiás, uma nuvem gigantesca, negra e assustadora.
– Vai chover, com a graça de Deus.
Tínhamos de nos apressar. Ainda faltava muito para chegarmos em casa. Eu carregava uma sacola de verduras, que me era desproporcionalmente grande. Eu tropeçava em minhas próprias pernas pelo peso. Minha mãe já estava irritada. O céu escurecia. A nuvem negra estava muito próxima. O vento carregava sacolas de supermercado e fazia bater as portas e janelas das casas. Todos andavam apressados nas ruas. Os cachorros ganiam, os periquitos faziam uma tremenda algazarra. Eu já estava ficando assustado. Seria uma grande chuva.
– Te apressa, menino! O mundo vai se acabar em água daqui a pouco!
E como se apressa? Já não ia mais dar tempo. Podia divisar, muito perto, as gotas grossas d’água que caíam no chão, levantando lama. Nos escondemos embaixo do toldo de um supermercado.
– Mas mãe, o padre não disse que Deus não ia mais acabar o mundo em água?
– É modo de dizer menino…
Não foi possível entender o resto da frase. A chuva veio como uma onda de choque de explosão. Totalmente inesperada, ela tomou tudo num instante. Dos telhados empoirados, a água caía avermelhada, manchando as paredes. A rua sem asfalto tornou-se em segundos um rio de lama. Não podia ver muito longe e, por isso, eu tive medo.
– E se o padre estiver errado, mãe?
– Quem disse isso não foi o padre, foi Deus! E Ele não erra.
O barulho piorou. Era granizo que caía em pedras do tamanho de bilocas, quicando no chão, branco. Ouvia o barulho das placas dos comércios e das telhas de amianto voando por ali. Uma mulher desesperada tentava se cobrir como podia no meio do temporal quando o seu guarda-chuva quebrou, sendo levado pelo ar. O vento era tão forte que fazia os fios elétricos cantarem e balancarem.
Árvores trincavam pelo vento. Pessoas gritavam. Seria o fim do mundo mesmo? Deus teria mesmo piedade das crianças como eu?
Eu estava totalmente molhado e minha mãe me abraçou. A coisa tava feia. A chuva caía em ondas, levada pelo vento, batendo com força nos portões das casas. Vi um cachorrinho sendo levado pelas águas. Tentei correr pra salvá-lo. Minha mãe me segurou.
– É um cachorrinho, mãe, salva ele! Me deixa salvar o cachorrinho, mãe, me deixa!
Eu gritava desesperado. O cachorro nadava com todas as suas forças, tentando se salvar, quando o mais inesperado aconteceu. A tampa do bueiro explodiu, liberando uma água imunda, alta como um gêiser e repleta de baratas. O cachorrinho, no alto do seu desespero, tomou um susto com a grande onda que se formou em volta dele, afundando na água imunda. Nunca mais o vi.
E a chuva foi embora como veio, num pulo. Fomos embora dali, apressados. Minha mãe queria ver como nossa casa tinha ficado. Eu só queria saber do cachorrinho, pobre cachorrinho…
Janeiro 28, 2008 às 1:06 am |
Também queria saber do cachorrinho… 😦
Tragi-cômico seu medo do fim-do-mundo…
Janeiro 28, 2008 às 3:28 am |
Cara, temporais são mesmo assutadores… e no entanto os acho tão lindos.
Imagino teu desespero de menino querendo salvar o cachorrinho.
Triste.
no entanto o mais engraçado é que o texto tem o ritmo do temporal de verão.
Sorte e saúde pra todos!
Janeiro 28, 2008 às 5:53 pm |
Ei, Poeta – ah, não… agora é Cronista… heheehe – respondendo aos comentários!!! Mas faz em negrito, ou itálico, ou qualquer outra coisa, pra gente ver que é resposta sua.
Bom… falando da crônica: caraca, morro de medo de temporal. Aqui em Resende tem uns temporais assim, desse jeito que você descreveu aí. Coisa horrível de se enfrentar, principalmente quando estou dirigindo na Dutra…
Ps – tadim do cacholinho… snif, snif…
Janeiro 29, 2008 às 10:26 am |
Nossa to sentindo a chuva e o desespero do cachorrinho! Parabéns pelo texto! Bjus, Aline
Ah…
Janeiro 29, 2008 às 10:39 am |
Poeta, você manda muito bem! 🙂
Eu tenho medo da chuva, até porque dias de chuva sempre me trancam em casa, sem ter o que fazer, só pensando na vida…. argh.
Coitado do cachorro. Tá no céu dos dogs agora, né? =/